Parte 2 de 3 – Vieses Inconscientes: Atalhos cognitivos para o erro

“O homem é um dispositivo determinista lançado em um Universo probabilístico.”
Amos Tversky
Como damos significado aos fatos? Por que algumas experiências nos marcam tanto e outras são facilmente esquecidas? Qual é a nossa propensão a mudar de opinião diante de novas evidências?  Por que tomamos tantas decisões equivocadas?

Pode ser difícil aceitar, mas o cérebro humano está longe de ser um órgão sempre coerente e racional. Por isso somos tantas vezes o nosso pior inimigo – existem ao menos 200 diferentes vieses cognitivos que afetam diariamente nossas visões de mundo, reações e escolhas.

Nosso cérebro não é programado para buscar a perfeição, mas sim para assegurar nossa sobrevivência.

Para tanto, os vieses inconscientes atuam continuamente como espécies de atalhos mentais para facilitar e otimizar os nossos processos.

Em situações problemáticas específicas, porém, os vieses inconscientes costumam entrar em ação de forma ainda mais incisiva. São alguns exemplos:

  • Excesso de informação & seleção de lembranças

O mundo está cada vez mais inundado de informações e, para não sucumbir à sobrecarga, o cérebro busca desnatar e filtrar volumes enormes de dados, para em seguida decidir rapidamente quais deles são de fato importantes e capturá-los. Neste processo, são aplicados os seguintes truques:

  • Fatos próximos a nós ou recentemente vistos são mais facilmente lembrados e levados em consideração. Este vício mental está relacionado ao chamado viés da disponibilidade.

Um exemplo comum é quando as pessoas questionam teorias científicas comprovadas como os malefícios do cigarro à saúde ou o aquecimento global citando um parente que viveu até os cem anos fumando vários maços por dia ou como tem feito frio na sua cidade ultimamente.

Já quando ocorre uma queda de avião muito noticiada pela mídia, várias pessoas passam momentaneamente a evitar voos, concentrando todas as atenções no desastre atual e deixando de lado as inúmeras estatísticas que demonstram a segurança (muito) superior do transporte aéreo em relação aos carros, por exemplo.

  • Experiências ruins são mais fáceis de fixar do que eventos comuns ou felizes.

O cérebro humano tende a dar mais importância a elementos surpreendentes e prejudiciais, ignorando vivências já esperadas e positivas. Trata-se do viés da negatividade, e é a partir dele que são geradas as memórias traumáticas. É por isso, por exemplo, que levar uma bronca do chefe é muito mais marcante para a maioria das pessoas do que receber um elogio ou até uma promoção.

Figura 1.1 Temos propensão de registrar as experiências ruins – viés da negatividade.

Toda vez que lembramos alguma coisa, recriamos a experiência em nossa mente. A memória, no entanto, não é uma câmera fotográfica ou um vídeo – ao contrário, ela é completamente influenciável, ou seja, é possível criar e apagar coisas. Pesquisas neurológicas recentes demonstraram que o inconsciente exagera as coisas ruins – e confrontá-lo é a única saída para superar a angústia (APS, 2007).

Ainda pior do que as memórias traumáticas é a grande propensão do nosso cérebro a utilizá-las como modelos de predição do futuro.

Sim, é verdade: fazemos previsões com base nessas narrativas distorcidas, exageradas ou mesmo inventadas do passado.

A cada vez que você aciona uma memória, ela pode ser modificada – e enviesada – pelo cérebro. Isso acontece por meio de um mecanismo chamado de reconsolidação. Ao tentar se recordar de algo, a memória deixa o banco de dados do cérebro, é acessada pela sua consciência e, finalmente, guardada novamente (reconsolidada) no banco de dados. Ao longo dessa jornada mental, porém, a memória fica vulnerável, podendo ser acidentalmente alterada pelo cérebro.

Pesquisas da universidade americana de John Hopkins descobriram que existe uma sutil diferença na atividade cerebral durante o processo de formação de memórias falsas e verdadeiras: o córtex pré-frontal, relacionado ao raciocínio, fica menos ativo quando a memória é falsa. Isso significa que todos os tipos de memória se formam da mesma maneira, com uma diferença determinante: as falsas não são tão expostas ao lado lógico da mente (Eurekalert, 2005).

  • Ausência de significado

Vivemos em sociedades cada vez mais conturbadas e mutáveis, das quais somos capazes de processar e compreender apenas uma pequena parte. Necessitamos, porém, torná-la inteligível para garantir nossa sobrevivência. Portanto, assim que a incompleta e confusa corrente de informações é captada pelo cérebro, buscamos ligar pontos, preencher lacunas com conhecimentos que já acreditamos possuir e atualizar nossa percepção do mundo.

Tendemos a criar padrões e histórias estruturadas mesmo com informações esparsas

Por obtermos apenas um “resíduo” de dados reais do mundo e ainda filtrarmos todo o resto, nunca chegamos a conhecer o cenário inteiro de fato – para nos sentirmos plenos, no entanto, o cérebro trata de complementar e reconstruir o quadro.

Figura 1.2 Tendência de padronizar as percepções de mundo de forma estruturada.

Preenchemos vácuos de informação e lacunas mentais com generalizações, estereótipos e histórias pregressas. Quando dispomos de dados parciais sobre um elemento isolado relacionado a um assunto geral com o qual estamos familiarizados, nosso cérebro rapidamente preenche os espaços com palpites. Então, convenientemente esquecemos quais partes eram reais e quais foram preenchidas, em um fenômeno psicológico conhecido como erro de atribuição de grupo.

Conceitualmente, o erro de atribuição de grupo corresponde à tendência que temos a inferir que as características de um indivíduo de um grupo refletem as de todos os outros membros –  seriam todos “farinha do mesmo saco”, e/ou de que as opiniões coletivas equivalem ao posicionamento individual de cada integrante sobre aquele tema.

Imagine que o diretor de uma grande companhia afirma em uma entrevista que todos os seus colaboradores devem estar sempre motivados, e que não cabe à gestão criar políticas de estímulo à satisfação no ambiente de trabalho. Ao ouvirmos isso, automaticamente concluímos que a organização não se preocupa com o bem-estar psicológico de seus funcionários.

Não consideramos, porém, que os demais gestores da empresa podem não compartilhar desse ponto de vista, ou que talvez já existam programas de incentivos internos. Assim, ao enxergarmos uma opinião particular como reflexo da geral, caímos na armadilha do erro de atribuição de grupo.

  • Imediatismo

Recompensas mais próximas do presente são mais valorizadas do que aquelas do futuro distante. Isso ocorre porque o cérebro humano tem enorme dificuldade para adiar recompensas – há algo muito especial no momento presente, no aqui e agora, que sempre contém maior valor emocional.

Anos atrás, Daniel Kahneman e Amos Tversky abordaram essa questão engenhosamente, perguntando a algumas pessoas: você prefere receber 100 dólares agora ou 110 dólares daqui a uma semana? A maioria dos participantes da pesquisa optou pelos 100 dólares imediatamente – não parecia valer a pena esperar uma semana por 10 dólares a mais (Kahneman, 2012).

Em seguida, a pergunta foi um pouco alterada: se eu lhe oferecesse 100 dólares daqui a 52 semanas, ou 110 dólares daqui a 53 semanas, o que você escolheria? Diante dessa nova proposta praticamente todas as pessoas tendiam a mudar suas preferências, decidindo aguardar as 53 semanas para receber 10 dólares adicionais. Note, porém, que as duas hipóteses são iguais, ou seja, uma semana a mais de espera garante um bônus de 10 dólares. Então por que há um reverso da preferência entre elas?

Figura 1.3 Escolha de recompensas.

Na mente humana, a aversão ao desconto na quantia se apresenta de uma forma específica: é muito reduzida no futuro bem próximo e aumenta consideravelmente depois, como se as épocas mais distantes fossem todas iguais: tempos distantes, incertos e, por isso mesmo, desinteressantes.

Ao longo da vida, no entanto, essa postura imediatista inerente ao nosso sistema de recompensas cerebral costuma gerar prejuízos muito maiores do que alguns dólares, impactando negativamente não apenas a área financeira, mas relacionamentos familiares, amorosos, profissionais etc.

  • Medo

O medo talvez seja a mais forte motivação de um ser humano – e todos os outros animais racionais – para agir. Em situações de perigo, nosso cérebro é impelido a tomar decisões rapidamente, tornando-se ainda mais vulnerável a vieses inconscientes como o “efeito manada”.

  • Efeito manada

Temos alguma simpatia pela ideia de que as escolhas das pessoas são coerentes, frutos de reflexões ponderadas e não uma mera coleção de impulsos aleatórios. No entanto, diversos estudos já revelaram que somos guiados pelo chamado efeito manada, atitudes irracionais semelhantes de um grupo que são lideradas por uma ou mais pessoas.

Isso geralmente ocorre em situações incertas e/ou ameaçadoras – nesses casos, as pessoas observam os outros para saber como devem responder, em um processo muito mais instintivo do que racional. É como um incêndio em um cinema — as pessoas não fogem devido à fumaça, mas sim quando veem as outras pessoas correndo, ou seja, o medo é contagioso.

O comportamento de manada gera cascatas informacionais: a informação em que o primeiro indivíduo fundamentou sua decisão exercerá uma influência desmensurada sobre as crenças e reações dos demais.

Neurônios-espelho e manadas

Nossa mente se conecta a outras pessoas que observamos, sejam elas familiares, amigos, colegas de trabalho, jogadores de futebol, atores em um filme ou um estranho qualquer.

Estudos recentes revelaram que existe uma série de células em nosso cérebro dedicadas a isso. Conhecidas como neurônios-espelho por refletirem os movimentos observados, elas explicam por que assistir a outra pessoa fazendo algo é interpretado por nossa mente como se nós mesmos estivéssemos realizando tal atividade.

Essa empatia instantânea foi demonstrada em um divertido experimento conduzido pelo jornalista científico Robert Krulwich pelas ruas de Nova York (Nova Science Now, 2020). Nele, Krulwich caminhava em uma calçada movimentada levando sozinho uma pilha de cinco caixas,  aparentemente bastante instável. As caixas estavam coladas e não cairiam, porém os pedestres não sabiam disso, ficando com a impressão de que a qualquer momento a pilha ruiria e tudo se espalharia pelo chão.

As expressões aflitas das pessoas foram filmadas e evidenciaram como elas se colocavam involuntariamente no lugar do carregador, graças à empatia promovida por seus neurônios-espelho.

Ao mapearem as origens de um movimento de manada, os pesquisadores descobriram que ela que é formada por quatro elementos básicos:

  1. o instinto de agir em conformidade com os demais membros de nosso grupo social;
  2. a inferência de que se muitas pessoas estão fazendo a mesma coisa, deve haver uma boa razão para isso;
  3. o “erro coletivo” é menos constrangedor do que o individual, já que o grupo tende a se mostrar solidário e pouco crítico nesses casos.
  4. o medo de ficar para trás enquanto os outros levam vantagem.

FELLIPELLI atua com excelência nas diversas áreas relacionadas ao aperfeiçoamento humano, desenvolvendo a inteligência emocional a partir de técnicas fundamentadas nas últimas descobertas da neurociência para aprimorar os processos de interpretação da realidade e tomada de decisões. Consulte-nos!

Referências bibliográficas

Tema: Neurociência, NLI®, Inteligência Emocional, EQ-i 2.0®

Subtema: Os vieses inconscientes e sua relação com o passado e o futuro.

Objetivo: Autoconhecimento, Autodesenvolvimento, Coaching, Coaching nas Empresas, NeuroCoaching®.

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